segunda-feira, 7 de setembro de 2009

“Todo Enfiado” em nossas cabeças...



Por Antonio Rimaci

Agradeço a oportunidade de escrever para este blog. É muito bom ver grandes amigos de mesas de bar adotando um espaço para expor as tão interessantes reflexões que surgem desses momentos de vida boêmia. Mas vamos, sem demoras, ao que interessa.
Nas últimas semanas, um único assunto permeou certamente todas as conversas entre os soteropolitanos: a saga da Miss “Todo Enfiado”, mais uma entre as histórias de vídeos que, para infelicidade de seus protagonistas, ganharam a grande rede e viraram motivo de chacota nas rodas de amigos e notícia nos telejornais. Decerto que o assunto é por si polêmico, e que a desgraça alheia diverte, mas o que mais me incomoda em tudo isso são as interpretações dadas ao caso. Todas elas me parecem (me refiro apenas as que eu pude ouvir) rasas e precipitadas. Não falo apenas do povão, que sempre acha graça de tudo e transforma suas próprias desgraças em motivos de boas risadas, como estratégia de sobrevivência. Interpretações dadas por pessoas “estudadas” também me parecem extremamente infelizes. Vejamos.
A reação da sociedade é, em geral, extremamente machista. Uma mulher que se expõe ao ápice da conotação sexual de uma dança é - tão logo isso se torna público, posto que ninguém vá chamar de puta aquela que dança batendo coxa com você no forró, apesar da conotação sexual existir nos dois casos - taxada de “puta, piriguete, vagabunda, merece se fuder mermo na moral”, expressão dita de uma só vez, como se fosse uma única palavra. A conotação sexual da dança existe desde que dança é dança.
A mulher é guardiã da sensualidade desde que surgiu a primeira saia, e com ela a primeira cruzada de pernas. Mas quando a sensualidade feminina se torna pública (ainda que nem sempre na forma extremada e reduzida praticamente ao órgão genital, como no caso que estamos tratando aqui) a moralidade vem à tona, e a crucificação da infeliz é inevitável. Seria um fenômeno social perfeitamente aceitável se valesse para todo mundo: algum homem que ficou “de sunga” nos velhos tempos dos ensaios da banda de mesmo nome, realizados nos mesmos porões do pagode regional, foi acusado de “pirigueto, vagabundo, ordinário”? Não, todo mundo (inclusive mulheres) achavam massa. Ou melhor, as mesmas expressões, quando usadas no masculino, se tornam elogios. Maravilhas do nosso universo machista.
Minha dica pra galera que pensa assim é: Vamos deixar de hipocrisia, de justificar as coisas com esse pensamento machista retrógado, e tentar entender porque tanta gente age dessa forma, homens e mulheres. Porque sexualidade está tão banalizada? A coisa é muito mais profunda...
Aliás, por achar que a sexualidade está extremamente banalizada, é que discordo de pessoas que dizem que subir no palco e mostrar a profundidade em que está enfiada sua calcinha está certo mesmo, que a mulher tem se percebido como dona de seu corpo e de seus prazeres, e que esse tipo de atitude reflete um “empoderamento” feminino. Discordo. Aliás, não discordaria, se a coisa fosse assim mesmo. Se todas as mulheres que subissem naquele palco pensassem dessa forma, entendessem e cultivassem o prazer que sentem em se exibir e fossem felizes com isso, eu concordaria, e mais, diria que estamos mais próximos de um mundo perfeito. Contudo, as pessoas ali não resignificam nada. Todo mundo é permeado pelas mesmas sanções morais que fazem o conjunto da sociedade, em momento posterior, condenar essas mulheres.
A banalização do sexo faz parte de uma coisa maior, a banalização da própria vida. As pessoas de baixa renda, essencialmente as mais novas, não valorizam mais nada. Não há perspectivas, não há como se ter a vida que eles vêem nas novelas, então vamos “cair de boca e fazer a putaria”. Esse é o pensamento que se vê entre jovens de escolas públicas, pessoas de baixa renda que acredito ser o público alvo daquele tipo de espetáculo. Pior: a estratégia de chocar é provavelmente a única chance que aquelas pessoas têm de alcançar seus poucos minutos de fama. Não há nada de moderno e emancipatório nisso. É só mais uma faceta da pobreza: a de espírito.
Vocês devem estar se perguntando: “mas a personagem era uma professora, empregada”. Bom, eu realmente acredito que ela acabou entrando no clima excedendo os limites que pretendia. Não podemos perder de vista que aquilo é feito (ou foi) todas as semanas, e nunca deve ter faltado mulheres, que certamente não estão na mesma condição social dela. Bom, pelo menos ela proporcionou essa reflexão. Que a Miss “Todo Enfiado” aproveite seus minutos de fama, mas que a história mude. Que a putaria seja eterna, mas que as motivações sejam as que os meus amigos esclarecidos imaginam. Amém.

p.s.: Para os que não me conhecem, eu não sou padre nem pastor evangélico. Obrigado!

13 comentários:

  1. Bem...
    Realmente polêmico!No entanto concordo com o autor no sentido da banalização do própio modo de vida, talvez isso seja fruto de uma serie de valores que estejam fundamentados pela forma em que se vive, e tais condições refere-se a uma grande gama de possibilidades.

    Quanto ao evento,sob meu ponto de vista penso que tal ato denigri as mulheres soteropolitanas que de fato são sensuais e bonitas,porém também são INTELIGENTES e por isso tenho respeito por todas elas e em uma situação como essa fazem outros pensarem que todas agem dessa forma.

    E como disse Victor Hugo:
    "(...)Enfim...
    O Homem está colocado onde termina a terra;
    A Mulher onde começa o céu... "

    Excelente texto!

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  2. Existem vários pontos que podem ser discutidos através desse texto: a banalização do sexo, a exposição excessiva, a rapidez e periculosidade da tecnologia, etc, etc, etc...
    Me espantou a velocidade em que a notícia se espalhou, as opiniões distintas e a importância dada ao fato. Em questão de poucos dias a professora Jaqueline já estampava a capa do jornal Correio, dava entrevistas, era aplaudida e vaiada nas ruas de Salvador...
    Ao mesmo tempo, a Banda o Troco se "enfiava" de cabeça na onda do sucesso repentino. Os shows estão lotados, a música na boca do povo e a grana entrando na conta.
    Fiquei realmente chocado com o péssimo nível cultural da professora, do compositor e da qualidade duvidosa da banda. Tentei sugar algo de bom, nesse "sarapatel de coruja" todo, mas não encontrei nada, absolutamente nada!
    É importante reforçar que as mulheres da Bahia não são todas assim, "enfiadas", vulgares, incultas, pobres de espírito. São guerreiras, sensuais sim, mas batalhadoras...
    As bandas também não são em sua maioria assim, pobres musicalmente. A gente gosta de festa, mas também gosta de cultura.
    E como diria Chico Buarque "amanhã vai ser outro dia". O tempo vai passar e com ele sumirão a banda, a professora, a música e a polêmica... Nesse sub-mundo tudo é efêmero!
    No mais, se forem dançar sensualmente em qualquer birosca soteropolitana, confiram se há alguém com câmera fotográfica, celular, ou adventos tecnológicos! Excelentes escritos, excelente oportunidade para esse texto!

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  3. Opa! minha primeira vez comentando aqui. Muito bom o texto.

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  4. Concordo em muitos pontos abordados no texto.
    O q eu acho engraçado em relação a mídia em geral é a hipocrisia. Na entrevista da Professora no programa Geraldo Brasil o entrevistados e dono do programa perguntou: "Vc (professora) não acha q está denegrindo a imagem da mulher mostrando a calcinha dessa forma ??"
    O problema é q no mesmo programa e no mesmo canal 1 semana antes do ocorrido, eram exibidas imagens de mulheres seminuas do programa a fazenda.
    Quanto a "prózinha", pra mim ela mostrou o verdadeiro significado do ditado "se te derem um limão, faça uma limonada !!" e agora vai pousar nua em alguma revista.
    Parabéns pelo texto !!

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  5. Eu posso até ser taxado como hipócrita, mas ainda me preocupo com a imagem vulgar que se tem exposto das mulheres, sobretudo as baianas. Vejo a própria professora dizer que aqui na Bahia todo mundo dança assim, que isso é normal e em todas as festas acontece isso. Realmente me espanto com esse tipo de divulgação, pois eu não vejo isso no meu dia-a-dia e não acho que essa banalização da vulgaridade deva se traduzir em todas as baianas. Porém, por outro lado, acredito que o ibope que estão dando a essa professora é fruto de uma busca desenfreada pelo sensacionalismo e pela exploração da miséria alheia, e isso é o que a tal professora está aproveitando, inclusive cobrando dinheiro para dar entrevista em programa de televisão. É lamentável que ainda queiram dar 15 minutos de fama a uma mulher como essa, pois, pelo que eu vi, nem professora ela teria condições de ser em razão do péssimo português que ela possui. No mais, é só !

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  6. Queira ou nao queira, o mundo ainda é muito machista. É comum ver em qualquer show de axé ou pagode, homens somente de sunga no evento. Isso qnd nao usam aquelas sunguetas brancas sem forro!Acreditem, existe sim! Agora vá uma mulher no meio do show ficar de biquini, coitada... O pagode é como se fosse o funk do RJ, que é dividido em Funk do "Bem" e Funk do "Mal", acredito que ocorra o mesmo aqui em Salvador. Acredito que há lugares frequentada por pessoas a ponto de exaltar uma conotação sexual, tão pior quanto a da professorinha.Quem anda pelas ruas durante o Carnaval,sabe que se vê cada coisa que até Deus duvida...é bem verdade que ainda não vi partes íntimas expostas gratuitamente (sem ser urinar no meio da rua), mas creio que não vá demorar, do jeito que a moda tá pegando...

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  7. Tava tudo muito bom, tava tudo muito legal enquanto eu lia até a bendita citação “A conotação sexual da dança existe desde que dança é dança”. Opa, opa, opa! Como já dizia a sábia Márcia Goldschimit [sabe Deus como escreve]: Mexeu com a dança, mexeu comigo!

    Discordo da idéia de que a conotação sexual da dança existe desde que ela é ela mesma. Quer dizer, discordo da idéia de que a conotação sexual venha antes de outros valores como a pura e simples representação social e ou, muito “acima” da conotação sexual, os rituais religiosos!

    [Quer dizer, acho que elas podem vir até juntas simplesmente, mas acho muito excludente que seja apenas a conotação sexual. Enquanto não lembrarem dos outros valores da dança, vou me revoltar e dizer que discordo mesmo e acabou! Hahaha]

    Como apreciadora dessa arte, percebo que ela existe como pura e simples manifestação artística ou como forma de divertimento e/ou cerimônia, e a pobre da professorinha se encaixa meio que por aí. Para tentar entender o ato dela e tentar analisar por um viés coreográfico, tento associar milhões de vertentes que dizem respeito à própria dança: a religiosidade, as tentativa de narrar acontecimentos ou ficções, as transformações sociais, a própria dança contemporânea, que surge como nova manifestação artística, influenciada mesmo pelo processo de urbanização, de novas possibilidades tecnológicas (haha, vide you tube), de condições sociais SOBRETUDO.

    Nada contra a sensualidade da dança, pelo contrário, a sensualidade de uma coreografia é linda de ver, para exemplificar:dançarinas de can can em Moulin Rouge e/ou a Pole Dance de Kate Moss em ‘I Just Don’t Know What To Do With Myself’. O que se passa em Todo Enfiado, ainda mais no vídeo [pessoalmente falando] é grotesco, explicito, desnecessário. Não há machismo ou feminismo que tentem justificar a atitude da professora e/ou o escarcéu da mídia em cima disso, em noticiar passo a passo do desemprego, da possibilidade de posar nua, do cachê pago ou não por uma entrevista, pela perda da guarda da filha e o escambau. Nessas horas, a dança e o seu carater educativo [sim] e a mídia e o seu carater educativo [também] se perderam no meio das tais transformações sociais.

    Enfim, cansei de falar aqui, passaria meia hora mais falando! Hahaha No fim das contas, nem sei se meu “Discordo” é um discordo mesmo!

    Parabéns pelo blog, meninos e avante nos textos!

    Beijos ;*

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  8. Maria Luisa,

    Seu "discordo" realmente não é um "discordo", essencialmente por dois motivos.
    Primeiro porque há que se levar em consideração o exagero característico de crônicas de um blog "light" como esse. Não tenha dúvidas que, ao afirmar que a conotação sexual da dança existe desde que ela surgiu, não me pautei numa pesquisa ou em conhecimentos pessoais no assunto, apenas numa suposição.

    Segundo, quem te garante que as coisas não estão todas juntas? A dança pode representar aspectos sociais e religiosos, que na sua concepção estão "acima", e de forma paralela ter contornos sensuais. Ou ainda, até que ponto a sexualidade não está imbutida na religião ou não é um fato social? Os fenômenos são por natureza unitários, quem os separa em aspectos (sexuais, religiosos, políticos, etc) são as cabeças humanas. Pense nisso.

    Obrigado pelo comentário!

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  9. Este comentário foi removido pelo autor.

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  10. Realmente, a sociedade é hipocrita, o preconceito com a mulher é fato, e o machismo alimenta a imagem negativa das mulheres que optam por se expor sexualmente durante uma dança nada sensual....violenta diria até. Mas, na boa, a professora é de maior, paga suas contas, não deve nada a ninguém (apesar do exemplo e educação que deve passar para sua filha - o que não é da conta de ninguém também) e por isso decidiu tomar a atitude que tomou durante um show de pagode, no qual, na minha opinião, só deve tomar quem realmente tem maturidade o suficiente para aguentar as consequencias, sejam elas negativas ou positivas. Cada um sabe o que faz! Enquanto a sociedade julga, ela própria se corrompe. A hiporcrisia está em todos os lados...
    belo texto Rimaci, parabéns!
    beijos! Aninha.

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  11. O fato é que a pesar de tudo, com toda polêmica e opiniões divergentes a professorinha ta passando pelos 15 minutos de fama que podem acarretar alguns reais, entre revistas e entrevistas. A banda está em evidência, com agenda lotada. Todo o fato agrava de certa forma a imagem das mulheres, exato, de certa forma, pois quem ainda ostenta o pensamento de apenas mulheres-bundas e mulheres-seios são coitados que nunca tiveram oportunidade de conhecer mulheres que são bem mais que isso.
    Espero que todos tenham oportunidade de irem ao funk-sacanagem do Rio, ao forró-sacanagem do Ceará e ao pagode-sacanagem de Salvador, até hoje procuro a diferença além do ritmo, pois as letras, gemidos e ruídos são similares.
    Não to defendendo e dizendo que temos que tirar onda com essa moda do “tudo enfiado”, até pq ali foi no mínimo agressivo. Só to registrando a minha opinião: isso vai passar rapidinho, pq vai rolar outro rit até o próximo verão, pq eles (professora e banda) tão colocando a mão na grana e aproveitando essa “oportunidade” e pq a sociedade vai continuar machista e hipócrita.
    Parabéns pelo texto meu amor!
    O Blog está de parabéns!
    Até o rit do próximo verão...
    Beijos!

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  12. Gostei muito do texto.
    Com relação a essa polêmica toda, eu so acho que quem ta se "armando" com essa exposição toda é a banda e a professora. Vai ser so mais uma das milhares que aparecem e desaparecem das nossas vidas graças a 'brecha' que a mídia dá a este tipo de "notícia" (Coisas mais importantes nós já não lembramos imagine isso JA JA NEM SOBBRARÁ NEM PENSAMENTO..)e mais uma vez, não acrecentará nada as nossas vidas. Que eles aproveitem bastante os 15 minutos de fama. Enfim sem mais comentários!

    Indati BGS

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  13. Olá pessoas!
    Aos que me conhecem deixo de antemão um forte abraço...
    Sobre o Texto do Rimaci, gostaria de expressar minha opinião dizendo que ontem estava a discutir com alguns colegas da faculdade sobre o "todo enfiado": é cultura popular ou é cultura de massa? A quem serve um "espetáculo" desse?
    Cheguei a conclusão de que, professora, médica, engenheira, vendedora de picolé, camelô, qualquer que fosse a profissão dessa ou de qualquer outra mulher que resolvesse dançar o "todo enfiado" daquela maneira que se sucedeu, a interpretação da situação seria: cena clara de vulgaridade e desmoralização do corpo feminino no contexto sociocultural (ponto). Há uma distância imensurável entre vulgaridade, sensualidade e sexualidade... Mas, seguindo a lógica da comunicação racional e hegemonicamente capitalista essa produção cultural é caracterizada por ser industrializada, produzida para reder lucros e promover a alienação e submersão daqueles que já se encontram enterrados na exclusão socioeconômica de uma cidade voltada para o turismo.
    Meus votos diante dessa realidade é que o Pai-de-Amor não somente olhe por todos nós, mas que toque no coração de mulheres e homem... para que esses estejam preocupados com a ecologia e o bem-estar social dos irmão que ainda sofrem.
    Ramaci, parabéns pelo texto!

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