terça-feira, 13 de outubro de 2009

Aquilo que chamam de Samba


Por Antonio Rimaci

Em tempos de “todo enfiado” e outras bizarrices que acabam por contribuir para o desgaste da imagem do nosso querido samba e do seu filho pagode, creio ser necessário investidas no sentido de resgatar as origens desse ritmo que, mais do que um estilo musical, é um estilo de vida.

E como resgatar nosso orgulho do samba? Pra mim, isso passa por voltar aos clássicos. E quem são os clássicos? Se falando de samba, essa resposta pode ser polêmica. É muito difícil definir onde tudo começou, sobretudo por não existir Google, nem Twitter, na época. Não quero entrar na discussão sobre origem, que muitos dizem ter sido na nossa querida Bahia. Mas o marco zero do samba, na minha humilde opinião, está no carioca, boêmio e safado, Noel Rosa. Talvez os leitores me perguntem por Cartola, que também foi espetacular, mas me permitam demonstrar todo meu fascínio por Noel. A simplicidade com que ele descrevia a vida boêmia, em versos como: “o orvalho vem caindo, vai molhar o meu chapéu, e também vão sumindo, as estrelas lá do céu...”, é o tipo mais belo de documento histórico. Noel bebia, fumava, amava, e fazia obras de arte, entre um trago e outro. E assim o dia raiava...

Noel foi um meteoro. 26 anos de vida de um verdadeiro gênio do samba, inimitável e inigualável. Um samba relaxado, descontraído, sem deixar de ser profundo e romântico. Retratos de uma época que ficará marcada para sempre na nossa história, ao som de seu violão.

E depois de Noel vieram os outros grandes pilares do samba. Da Vila Isabel para o frenesi da terra da garoa, encontramos Adoniran Barbosa e os Demônios, que oportunamente levam no nome o marco da grande capital da América do Sul, a garoa.

Aliadas a letras que retratam de forma peculiar e fiel a realidade dos paulistanos no início do século 20, Adoniran Barbosa construiu melodias que podem ser descritas como a mais pura expressão do samba. Na mesma batida, os Demônios da Garoa acabaram por imortalizar essas canções. Recentemente, a versão do grupo para o clássico “Trem das Onze” foi eleita a música-simbolo da cidade de São Paulo. Os “endiabrados”, que surgiram nos anos 40 e tiveram o grande encontro com Adoniran em 1949, estão no Guiness Book como o mais antigo grupo vocal em atividade no Brasil.

Irreverente e com um sotaque característico, o samba de São Paulo é absolutamente indispensável em qualquer playlist de um boêmio. Quem nunca encheu os pulmões e soltou, do fundo da alma, sentado numa mesa de boteco, os versos “Sooou filho único, tenho minha casa pra olhar”?!

O samba não parou por ai. No Rio tivemos o surgimento do Cacique de Ramos - e com ele Beth Carvalho, Fundo de Quintal e Arlindo Cruz - João Nogueira e o grande malandro Bezerra da Silva (pernambucano de nascimento, mas carioca de coração). Na Bahia o samba de roda sobrevive, e Mariene de Castro me deixa sem palavras. Seu Jorge é mais atual grande voz, a Orquestra Imperial trouxe de volta a beleza dos bailes ao som do cavaquinho, e Chico, outro grande malandro, continua a nos avisar “Hoje o samba saiu, procurando você...”.

Que nós, sambistas por convicção (com raras exceções), não deixemos essas origens morrerem. O samba é isso tudo, e que nós, a cada batida no pandeiro, a cada palma pra acompanhar, nos lembremos disso e possamos buscar tratar esse nosso tesouro da melhor forma. Afinal, o samba, “a gente não perde o prazer de cantar”... Não é?

p.s.1: Textinho escrito ao som de “Meu Barracão” - Noel Rosa, na voz de Caetano.

p.s.2: Eu devo ter esquecido de alguém. Sambistas, manifestem-se.

5 comentários:

  1. Gostei muito do texto. Além de muito bem escrito, trouxe os grandes nomes, sem esquecer de ressaltar os novos... Até a Orquestra Imperial foi lembrada! Bem elaborado. Gostei bastante!
    Parabéns, Rimaci!
    Beijos
    Betânia

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  2. Gosto muito dos textos escritos nesse espaço... Todos trazem novidades, são importantes dentro de suas áreas, seja segurança, esporte, entretenimento... Mas, esses escritos chamaram muito a minha atenção; hora pela leveza, hora por tratar-se do "pai" de todos os ritmos, o samba!
    Sou louco por samba e quem me conhece sabe disso. Já escrevi alguns textos sobre ele, porém, nunca me canso de ler coisas novas... E Rimaci fez muito bem as honras de mestre-sala! Como diz aquela velha canção: "Eu sou o samba, a voz do morro, sou eu mesmo, sim senhor."
    Estou muito feliz com o blog, mais ainda com esse texto. Vamos juntos, vamos em frente.

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  3. Na minha modesta opinião, não existe expressão melhor para esse ritmo musical do que: "Quem não gosta de samba, bom sujeito não é !! É ruim da cabeça, ou doente do pé !!"
    Mais uma das paixões desse grupo de boêmios abordada de forma simples e brilhante.
    Parabéns pelo texto.

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  4. O bom e o velho samba humorado, pra quem não sabe ele é o autor da imortal música "Com que roupa?".Os sambistas bem humorados já citados: Noel Rosa e Adoniram Barbosa, inspiraram muita gente boa. Infelizmente,alguns "transformaram" o samba para o lado pejorativo, mas ainda há uma escola seguidora. Em devidas proporções, Zeca Pagodinho lidera e carrega o lado boemio e engraçado da música, carregando o retrato do brasileiro boa praça.
    Aprendi muito com esse texto.

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  5. O esquecimento é natural, quando se aborda tema tão complexo: o samba. Mas gostaria de lembrar os nomes de Ernesto dos Santos (Donga) e Mauro de Almeida, autores do primeiro samba gravado, "Pelo Telefone", em 27 de novembro de 1916.
    Além do grande Noel Rosa, cito os seus contemporâneos do Rio de Janeiro, ou que sw criaram no Rio: Cartola (lembrado pelo blogueiro), Nelson Cavaquinho, Ismael Silva, Ataulfo Alves, Wilson Batista (desafeto de Noel), Mário Alves, e os de gerações posteriores: Candeia, Paulinho da Viola, Chico Buarque (muito bem citado pelo blogueiro) e, para terminar em Vila Isabel, Martinho da Vila. Incluo ainda Zeca Pagodinho, lemrado por um leitor em comentário acima.
    De São Paulo, queria registrar um Adoniran mais sofisticado (e não menos genial): o cientista e compositor de grandes sucessos: Paulo Vanzolini.
    Quem se lembrar de outros, pode acrescentar...

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